quinta-feira, 8 de novembro de 2018

Meu "Querido" Ex.Doc (38)


(Todo mundo já teve um ex não é? Sendo assim,boas e más lembranças dos relacionamentos passados serão contados aqui no Meu "querido" ex, afim de relembrar, rir e chorar de boas histórias relatadas por pessoas que de forma anônima ou não se despuseram a contar suas vidas sem qualquer custo. A todos o meu MUITO OBRIGADO)

"Sabe aqueles dias onde você simplesmente saí de casa para se distrair com uma amiga e não espera nada a mais do que isso. Pois bem, foi mais ou menos por aí que aconteceu. 

Era meados do ano 2000,não lembro a data certinha,mas a julgar pela minha idade na época era mais ou menos esse ano. Fui com uma amiga ver uma proposta de emprego.


Era pra ajudar a cuidar de um casal de idosos e auxiliar na limpeza da casa,eu trabalharia na parte da manhã até o meio da tarde e minha amiga dali em diante e dormiria no local.


A senhora apresentava mais vitalidade,varria a frente de sua casa sempre pela manhã,enquanto o marido já apresentava sinais de diabetes avançada. Os filhos com suas vidas corridas moravam por ali,mas por trabalharem durante o dia já não tinham tempo para vislumbrar tantos cuidados com os pais.


Para mim era o emprego quase perfeito. Morava em Neves e poderia sair de lá para ter uma casa pequena,um quarto que fosse em Belo Horizonte. Se afastar da minha mãe naquela época não era um desejo físico,mas financeiramente eu poderia ajudar mais trabalhando fora.


Lembro que estava saindo da casa e um dos quatro filhos do casal veio me levar até a porta. Rua de bairro perto do centro em finais de semana costumam ser movimentadas,mas aquele em especial era ainda mais,pois de frente da casa havia um tradicional bar de BH onde os clientes sentavam-se com suas mesas na calçada e aproveitavam a boa comida e a cerveja gelada.


Ainda conversava no portão quando um dos clientes veio até o filho dos meus futuros patrões e adentrou a conversa de uma maneira bem humorada e ostensiva. Aparentemente ele era mais velho,um pouco rechonchudo,mas um convite para tomar cerveja em pleno sábado no horário de almoço não dava pra recusar.


Sentamos então do lado de dentro do bar com esse cliente para tomar uma cerveja e bater papo. Admito,até aquele momento não tinha visto naquele homem qualquer atrativo,sentamos na mesa para tomar a cerveja pelo convite.


Ouvimos muito,ele claramente se fazia de gente importante,falava que tinha posses,provavelmente empenhado em me convencer a ter algo com ele,enquanto o filho do meu futuro patrão que naquele momento já havia ido parar na mesa tentava dobrar a minha colega.


Apesar de não ter dado muita bola pra ele,ficamos lá bebendo,muito por sinal e ao fim de tudo trocamos telefone,mas não rolou nada mais do que isso.No máximo ele levando eu e minha amiga para casa dela após muitos drinques em uma época onde a lei seca nem era imaginada.


Além da lei seca na época ainda não existiam redes sociais,ou whattsapp,logo o contato dele comigo era me vendo ocasionalmente no meu trabalho,até por que ele sempre ia no mesmo bar,daqueles clientes fiéis e claro me ligando algumas vezes para me dar uma carona para ir embora. 


Admito que o enrolei por algum tempo. Não queria um relacionamento naquele momento e ainda mais com alguém mais velho e que apesar de gente boa era tão diferente de mim,mas eu já estava envolvida com ele. Já sabia que ele não tinha as posses que dizia ter e que apenas morava numa casa ruas abaixo do meu trabalho onde ele morava numa casa da frente com a mãe e o irmão e na casa do fundo morava a família do outro irmão,com mulher e filho. 


Aos poucos fui me afeiçoando a ele,não sei dizer se me apaixonei,mas comecei a gostar dele e as coisas foram acontecendo,embora que ainda não tivesse ficado com ele e nem nada disso,era um grande amigo que tentava algo a mais para ir me conquistando.


A sorte dele é que troquei o horário com a minha amiga,logo passei a dormir no serviço,o que facilitava ver ele já que uma ida até Neves quase todo santo dia não era nada agradável.


Nosso passo a mais se deu quando a mãe dele faleceu. Morreu dormindo,ataque cardíaco fulminante, dentro de casa e ele ficou mal com tudo aquilo sem imaginar que meses depois o irmão viria a falecer da mesma forma,dentro de casa,dormindo e o coração não aguentou.


Foi no intervalo entre os dois falecimentos que começamos a ficar,de início era algo bobo,nada demais,eu gostava que ele me cortejasse e tinha alguém para "cuidar" de mim como ele dizia.


Ele tinha uma filha da minha idade e três filhos mais novos, um garoto e mais duas meninas,dois com cada mulher,era uma vida formada,enquanto eu ainda muito nova embarcava nessa nova aventura.


Embarcar alias é a palavra certa,afinal não demorou para que eu trocasse o meu emprego e a casa da minha mãe em Neves para ir morar com ele e trabalhar com ele na transportadora que ele tinha.


O ritmo era mais tranquilo,afinal eu tinha uma casa para cuidar,recebia cuidados dele e cuidava dele também e trabalharia literalmente ao lado da casa,ajudando,dando uma força literalmente,limpava a pequena loja um dia,atendia um telefone no outro,marcava os compromissos dele.


Virei uma secretária do lar e da empresa aos poucos.


Aos poucos também os filhos foram se aproximando de mim,assim como deixava de viver uma relação de namorada para viver uma relação de esposa que morava junto e praticamente nos sustentávamos ali.


Nossa relação aos poucos começou a ruir. Ele apesar de trabalhador,engraçado era como diziam os amigos: "Um excelente amigo de golo,mas para negócios..."


As filhas pareciam sanguessugas,adoravam o pai da mesma forma que lhe arrancavam dinheiro a todo custo. Exceto talvez a mais velha,independente e que vez ou outra aparecia para almoçar com o pai aos domingos. 


O filho no entanto era a pedra no sapato,juntou-se cedo com uma mulher,casou,teve uma filha linda,mas assim como o pai tinha ali uma certa ponta solta para o trambique,não bebia,mas compensava o tanto que o pai bebia para o lado violento,agressivo,daqueles que caçava briga com um pouco de tudo,além é claro do uso de drogas. 


Foi detido algumas vezes,fazendo o pai se virar nos trinta para tira-lo das confusões que ele sempre arrumava.


A relação foi deteriorando com essas pequenas coisas,foram ali muitos anos e apesar do carinho que eu sentia por ele me via presa a uma pessoa que por mais que me tratasse bem e me divertisse não traria nada para a minha vida.


Contudo,talvez por um mix de gratidão e até compaixão eu não o deixava.

Passei a me tornar mais a companheira de vida dele,uma cuidadora,embora ele não fosse nenhum incapaz.

Ele cada vez mais bebia,sempre bebeu,mas o que antes era coisa de fim de semana,passou a ser todo dia. 


Então se antes ele mergulhava nas muitas doses de seleta,quando não bebia a garrafa toda,junto a muitas garrafinhas de sua amada malzebier apenas aos fins de semana,então passamos a ter esse ciclo após o horário de serviço,sendo que muitas vezes o serviço já quase não tinha serviço.


Começamos a passar um período de turbulência financeira grave,afinal comíamos mais marmitas da rua do que propriamente coisas de dentro de casa,nosso cigarro e a bebida dele muitas vezes eram salvas pelos amigos que com seu bom humor ele adquiria. Já não tinha carro e seguia a risca a rotina de acordar cedo e caminhar pela avenida até a padaria,voltar para trabalhar e após o serviço apenas se embriagar como se não houvesse amanhã.


Eu ficava sozinha,largada,foram anos assim,vendo ele chegar a noite muito bêbado e apenas deitar para dormir.


Minha jovialidade era aflorada,já estávamos juntos a alguns anos e cada vez mais eu me sentia enterrada naquela relação,embora mantivesse o carinho com o meu companheiro. 


Acontece que eu em meio aos meus vinte e seis anos tinha como grandes eventos os almoços com a família,sejam a minha ou a dele e passava o dia atendendo a empresa dele para a noite assistir novela esperando ele voltar caso não quisesse ir ao bar com ele. 


As dívidas surgindo aos milhões,a bebedeira seguindo e então resolvi tomar uma atitude,estudar para conseguir uma bolsa em faculdade ou um curso técnico que fosse. Fiz segurança do trabalho,segurança pessoal,um pouco de tudo.


Em meio a esses cursos e alguns contatos e começaram a surgir os flertes. Eu já não tinha uma relação de marido e mulher,vivia ali,tinha uma casa e uma vida,mas o marido era da boca pra fora,um status. Comecei a trair.


Quer dizer,não a trair,por que aos poucos meu companheiro meio que ficava sabendo e se fazia de mais bêbado do que sempre estava para não reparar,mas as coisas as vezes saiam do controle.


Passei a me relacionar com caras que as amigas me apresentavam,colegas de curso,"amigos"do meu companheiro que iam até a nossa casa,chegamos ao ponto de ir para um sítio,levar ele pra casa bêbado e enganado e voltar pra festa apenas para curtir.


As amizades me influenciaram mal naquela época,mas acredito que em meio aquela loucura toda que minha vida havia se tornado meio que consegui um desafogo da relação e com certo consentimento.


Meados de 2015 e eu já estava estafada,exausta de virar a dona da casa financeiramente e de quebra cuidar de alguém que não se esforçava mais. Tinha meus pulos fora,mas passei a trabalhar como faturista de supermercado,até por que a transportadora do meu companheiro já não existia,então,alguém precisava manter a casa e se eu quisesse sair e me divertir,pelo menos que eu pagasse as minhas coisas.


Eis que volta a cena o filho do meu companheiro,primeiro se separando da esposa e indo morar com a gente,seu comportamento e seus problemas superavam-se a cada dia e era demais para mim,explodi quando em uma briga comum,boba sobre quem arrumava ou bancava a casa ele gritou que a casa era dele e não minha e que de lá eu acabaria saindo dentro de um caixão.


Entendi como uma ameaça de morte,vi que não daria futuro e saí da casa,embora todos os dias antes de trabalhar me encontrava com o meu companheiro para ver como ele estava e para lhe dar cigarros e aguardar o ônibus para ir ao serviço na porta dele.


Foi assim por três meses,nos víamos por volta das seis da manha até que eu entrasse no ônibus,uma relação de cumplicidade,mas sem que morássemos juntos. Eu não podia abandona-lo.


Passei a morar com a minha comadre e de certa forma vi que ele passou a não se dar bem com a vida como antes. Ele mantinha parte da rotina,mas já não conseguia mais ir a bares,seja por dívidas que encerraram as amizades ou por não ter dinheiro para beber no avulso.


Se antes bebia garrafas de seleta passou então a beber as chamadas corotes em garrafas de plástico e a fumar cigarros cada vez mais baratos. A saúde de ferro no entanto seguia intacta,assim como estilo,desde o primeiro dia ele sempre andava pela rua com blusa social para dentro da calça jeans e os sapatos sociais,além dos cabelos bem alinhados e aparados. Bermudas e camisas comuns eram para dentro de casa ou para festas com os mais chegados.


O aniversário dele se aproximava,eu ainda não sabia como seria o primeiro aniversário estando com ele sem que estivéssemos morando juntos,passei a noite pensando naquilo e resolvi que levaria ele para comer em algum lugar para comemorar mais um ano de vida.


Fiz minha rotina de manha,mas estranhei quando cheguei na rua da casa dele e não o vi na rua,ele sempre acordou cedo,fosse por cansaço,ressaca,ou que fosse,ele sempre se levantou cedo. 


Caminhei até a porta de onde morei por tanto tempo e vi a cachorra do lado de fora,mas a porta fechada,entrei com a chave que eu tinha e vi que a porta do quarto estava trancada. Da mesma forma que ele sempre acordava cedo ele nunca trancava a porta.


Voltei para trás já certa do que tinha acontecido,chamei a vizinha e pedi que ela entrasse para abrir a janela,ou que pelo menos olhasse pela janela para ter a certeza que eu já tinha.


Enquanto ela deu a volta peguei o telefone e liguei para um dos amigos dele. Apenas disse: Vem pra cá que ele está morto.


A cachorra não latiu para a vizinha abrindo a janela,animais parecem pressentir a perda de seus donos. A vizinha entrou pela janela e abriu a porta por dentro. Ela tinha lágrimas nos olhos e apenas de relance eu vi o corpo desfalecido na cama. Eu infelizmente havia acertado ele estava morto.


Não consegui chorar de imediato,não consegui vê-lo morto na cama onde tantas vezes dormimos juntos e permiti que os familiares e alguns amigos resolvessem todos os trâmites para velório e enterro.


Já naquela época não eram permitidos velórios noturnos diretamente no cemitério,mas devido a ele ter morrido durante a madrugada havia uma certa pressa para que ocorresse o velório e o enterro na manhã seguinte. O fato curioso é que assim como a mãe e o irmão ele havia morrido de infarto fulminante enquanto dormia. Curiosamente ele não havia bebido nada naquela noite,apenas se deitou e dormiu para todo o sempre como seus familiares.

Durante o velório fui tratada como viúva e apesar do abatimento tentei me manter forte até que o corpo chegou. Duas filhas dele moram em São José da Varginha,interior de minas e a filha mais velha morava em Santa Luzia,logo além de alguns amigos mais próximos só havia o filho que tinha problemas comigo e eu no momento em que o corpo chegou.

Aguardei que o filho o recebesse,temia de uma certa forma que ele falasse algo de mim em meio as pessoas e até por que ainda não tinha visto diretamente o corpo do meu companheiro de tanto tempo morto,inerte.

Adentrei a sala e só ali,ao vê-lo desabei,as lágrimas foram inevitáveis e com muito custo me aproximei e lhe dei um beijo na testa agradecendo por tudo e desejando que ele tivesse uma boa passagem.

Acompanhei todo o velório,não arredei o pé de lá,não conseguia,não queria na verdade. Apesar de tudo não conseguia crer que ali naquela caixão estava o homem que me acompanhou crescer nos últimos quinze anos.

Passaram-se pouco mais de dois anos da morte dele. Não quis receber nada da família,de bens que ele podia ter ou tampouco direitos na casa como muitos falavam que eu tinha. Eu decidi sair de lá,seja por ameaças,ou qualquer coisa,foi ideia minha ser independente.

Devido ao meu emprego no supermercado acabei por retornar a Neves,para a casa da minha mãe novamente,mas claro já não sou aquela menina que saiu de casa para tentar o emprego de cuidadora,mas sim uma mulher que viveu muita coisa lá fora e acabou voltando.

Todas as noite eu olho pro céu e em uma breve oração peço que ele esteja bem e de onde estiver olhe por mim e me abençoe em minha vida,assim como um dia eu o amei,espero que ele tenha tido o mesmo sentimento por mim.

Aonde estiver,meu amigo,meu amor,meu companheiro. Obrigado!"

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