quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

PV Pergunta.doc (Lívia Teodoro)



















(Dizem por aí que não existem perguntas totalmente certas ou tampouco respostas totalmente erradas,pensando nisso decidi sair perguntando por aí para conhecer boas histórias através de boas e más respostas.O Pv Pergunta vai buscar diferentes pessoas que se dispuseram a falar com o blog e contar as suas histórias sem qualquer custo. A todos o meu MUITO OBRIGADO)

Quem é : Lívia Teodoro

Blogueira desde 2015, Lívia encontrou na internet uma forma de unir empoderamento feminino,estética, história e ativismo digital.


Criadora de conteúdo próprio Lívia tem nas redes sociais diversos seguidores que a acompanham pelo Na veia da Nega



Você tem hoje um conteúdo bastante diversificado em seu canal falando desde temas mais simples até os temas mais sensíveis. Existe algo que você vete totalmente e não fale ou todo conteúdo é válido?

O blog é um reflexo direto da minha vida, do meu dia a dia e, bom, a minha vida é "ilimitada", tudo que passa pelo meu dia a dia acaba indo pro blog. Não existe nenhum assunto proibido dentro do que escrevo, mas, não vão parar lá por exemplo assuntos que eu não tenho lugar de fala. A branquitude, por exemplo, é uma pauta que não entra, afinal, não é meu lugar de fala.

O "Na veia da nega" surge inicialmente para empoderar principalmente as mulheres negras e estabelecer ali um conjunto de fatores sobre esse recorte de raça dando dicas e as ajudando de uma forma geral a encarar a vida e a conhecer sobre a cultura negra. Contudo hoje em seu canal no Youtube o blog apresenta uma série de dicas que auxiliam todos os tipos de mulheres. Esse crescimento do blog e também do conteúdo apresentado nele fez com que o conteúdo hoje fosse seguido por mulheres de todas as raças e não somente a mulher negra?

A intenção do blog nunca foi de produzir conteúdo pra ser lido/acompanhado somente por mulheres negras. Mas sim, de que mulheres negras também se vissem representadas nos mais diversos assuntos. Assim como todas nós lemos vários artigos - independente de raça - quando achamos interessantes, por ser um conteúdo criativo e bem feito acredito que o Na Veia da Nêga acaba atingindo vários públicos. Inclusive quando a pauta envolve raça o Na Veia da Nêga tem se tornado referência para pessoas não negras, uma vez que procuro sempre produzir um conteúdo simples e didático. Considero isto positivo e fortalecedor para meu trabalho, é gratificante ser referência para várias pessoas.

Em seu canal do Youtube, você passeia com responsabilidade por diversos assuntos que vão desde temas pessoais como a sua relação com a maternidade e com o seu filho,o fato de ser bissexual e a transição capilar até chegar no papel da mulher negra na sociedade. Há algum segredo para transitar e falar diretamente de assuntos por muitas vezes tidos como delicados com tamanha facilidade?

A escrita é um processo complexo e delicado, Para nós, população negra, que tivemos - e ainda temos - o local de fala dentro da sociedade tão silenciado é ainda mais complicado, mas, se tem algo que a mulher negra pode é poder! É com este pensamento que escrevo e gravo vídeos. A responsabilidade com o meu conteúdo é linha central na minha produção, acredito que isso facilite e deixa essa sensação de que escrevo e gravo com facilidade. Mas, como diria Djamila Ribeiro "Aqui a gente não acha nada, aqui a gente estuda!" e a aparência de facilidade vem daí, todo o conteúdo é pensado e estudado com muita dedicação antes de ir ao ar, afinal, é preciso ter responsabilidade com quem lê o que escrevo ou assiste o que gravo. Não é nenhum segredo, é apenas exercer o jornalismo com responsabilidade e o compromisso de um discurso sadio, pensando assim fica bem fácil desenvolver temas considerados sensíveis ou delicados.

A rede de conteúdo que compõe o Na veia da Nega tem quase 100% de conteúdo autoral seu e mesmo aqueles textos que não são diretamente feitos por você, passam pelo seu crivo para que cheguem até o blog ou o canal. Por ter um discurso forte e necessário voltado para o empoderamento feminino e da mulher negra há um cuidado da sua parte para que possíveis haters e até mesmo gente que acompanha o seu trabalho com bons olhos não desvirtuem aquilo que você diz e transformem suas falas, por exemplo em racismo reverso?

O conteúdo do blog é 100% autoral, as citações de outros autores acontecem sem alteração, quando são necessárias e, mais uma vez, volto na questão da responsabilidade com o que produzo. A partir do momento que o conteúdo "cai na internet" temos menos controle sobre como e quando aquilo será replicado ou comentado. Porém isto não me isenta da obrigação de ser o mais clara possível na minha comunicação. Uma das máximas do meu trabalho como jornalista é: "Eu sou sim responsável pelo que você entende quando eu escrevo". As pessoas hoje encarnaram o discurso de estarem isentas daquilo que os outros entendem, mas, nós que produzimos conteúdos e conhecemos nosso público - embora não consigamos nos proteger 100% - conhecemos técnicas o suficiente para sermos claras na nossa escrita, evitando - ou tentando evitar - as más interpretações. Sobre o "racismo reverso", um mal do Facebook, este é impossível prever ou prevenir. A branquitude e sua desonestidade intelectual vão sempre tentar ser - novamente - o centro do discurso, mesmo quando não se está falando sobre eles.

Você através do seu canal passa hoje a consciência de estar bem resolvida com relação a sua sexualidade,a sua raça,cabelo enfim, bem resolvida com você mesma. Houve algum momento em que você precisou virar o jogo pra não perder esse processo de se resolver consigo mesma?

Fico feliz de passar essa imagem, de verdade, mas, todas nós em alguma medida vamos ter algumas inseguranças. Eu sou uma mulher comum, com medos e ansiedades. A diferença é que encontrei algumas maneiras de repensar estas inseguranças que acho que valem a pena dividir. Fico feliz quando as minhas reflexões são capazes de ajudar a outras mulheres e este retorno é essencial para que este trabalho continue. Eu as fortaleço e elas me fortalecem, é um ciclo importante e só funciona porque todas nós acreditamos nesse compromisso.

Você é também CEO e criadora do Clube das blogueiras negras que reúne até então blogueiras negras de Belo Horizonte e Minas Gerais. Como surgiu essa ideia e que tipo de incentivos a mais o clube apresenta para essas blogueiras e influenciadoras digitais negras?

O Clube de Blogueiras Negras nasceu em 2016 e todos podem saber mais sobre o projeto neste link. Além de tudo isto, o Clube  serve para fortalecer a ideia de que "uma sobe e puxa a outra", assim a gente faz circular entre nós e nosso público vários trabalhos representativos e de qualidade. Nos últimos meses o Clube de Blogueiras Negras, sob a produção executiva da Zaíra Magalhães (Divindade Cultural) vem desenvolvendo formações específicas para youtubers com parceiros importantes, como o Fundo Baobá, a Artigo 19, a Embaixada Canadense e o fundo internacional feminista Frida. 

Sabemos que historicamente os negros sofreram e ainda sofrem com o racismo velado e o racismo explícito de boa parte da sociedade. Você que hoje participa ativamente desse processo de empoderamento da cultura negra, principalmente das mulheres negras vê que a sociedade está evoluindo com relação a igualidade das raças ou ainda temos um constante regresso? E você sofreu esse preconceito diretamente na pele e como reagiu a esse preconceito ocorrido com você,caso ele tenha existido?

O racismo nosso de cada dia está em todos os lugares e conforme você circula em várias áreas da sociedade. Estar em vários espaços me faz experimentar várias formas diferentes de racismo, igualmente agressivas e perturbadoras. São tantos casos diariamente que acabamos não reclamando de tudo, mas, tomando atitudes concretas de transformação, que acredito serem mais efetivas, como acionar a justiça e incentivar que as outras pessoas façam o mesmo. Racismo é um crime, assim como a injuria racial e precisamos passar a tratar como tais para que a sociedade crie uma cultura nova e firme diante dos casos de racismo.

Há um consenso de que os modelos familiares estão em constante mudança e que hoje há diversos formatos de famílias.Entre os formatos familiares está o da mãe solo que assume essa dupla jornada por quê o pai da criança saí de cena e deixa de cumprir as responsabilidades dele como pai perante a mulher que gerou um filho dele e também perante ao próprio filho que passa a não ter a presença do pai como é o caso de milhares de crianças no país que não tem o nome do pai na certidão. Há uma conscientização hoje das mães solos de que elas podem ter uma vida após o nascimento dos filhos ou a maioria ainda rotula apenas a mãe solo com a romântica tese de que ela é uma guerreira por criar o filho sozinha e que a partir daí teria de viver pro filho?

O problema é ainda maior que imaginamos. A maternidade solo - que infelizmente não é exclusividade de mulheres solteiras - traz consigo uma culpa eterna. Essa missão social de santificar as mães e fazê-las entender de que "nasce a mãe e nasce a culpa" é ainda mais cruel quando a mulher exerce sozinha essa função. A maternidade solo se torna mais difícil por conta dos palpites e pitacos e acredito que ainda leva tempo para a sociedade deixar de associar a obrigatoriedade de anulação da mulher para que ela exerça a maternidade

Em um dos seus vídeos você conta que tenta criar o seu filho dentro de um ideal feminista tendo em vista que ele é filho de uma mãe solo,negra,feminista e bissexual e também por que ele é um garoto negro e que de certa forma vai precisar aprender os dois lados da moeda diferente do que ele está adaptado a ver na escola onde em geral ele é apresentado somente ao formato familiar tradicional onde se tem mãe,pai e o filho. Como fazer com que aos poucos as crianças de um modo geral possam entender que não existe apenas esse formato de família e que existem diversos meios de relacionamento entre meninos e meninas sem ser somente o modelo heteronormativo?

Esta é uma pergunta complexa, não é mesmo? Não há uma receita pronta e fácil, se houvesse a gente já teria consertado esse mundo! Mas, acredito de verdade que a convivência com a diversidade vai fazer com que as próximas gerações sejam mais inteligentes em lidar com relacionamentos e modelos familiares que fogem da heteronormatividade. Eu sou uma mulher bissexual, mãe e noiva de uma mulher lésbica, só isso já é o suficiente para que meu filho e nosso círculo já vejam várias quebras de paradigmas em uma única relação, conviver com esta diversidade faz do meu filho um ser humano melhor, mais tolerante e, com um pouco de esperança eu acredito que transforme também as pessoas do nosso círculo, como os amiguinhos do meu filho, por exemplo.

É notório que as pessoas por si temem aqueles que são poderosos, pelo simples fato de que eles detém o poder. Há também o consenso feminista de que os homens por si temem ainda mais as mulheres poderosas ou que tem opinião própria formada. Você ao dialogar com as mulheres através do seu canal e do blog acaba por muitas vezes por obter esse poder em mãos. A abordagem masculina para com você mudou a partir do momento em que passaram a te reconhecer pelo canal ou isso já ocorre diretamente a partir do momento em que você mostra para o homem que também é uma mulher inteligente e que sabe o que quer?

Olha, é sempre uma surpresa ler isto,(risos) porque eu continuo sendo a mesma menina/mulher de sempre! Mas, sim, isso já aconteceu algumas vezes e sempre com homens, eles procuram a Lívia Teodoro, a que fala isso e aquilo, a "menina da capa do jornal" e bom, eu sou muito além do que está na internet e pessoalmente eu sou uma mulher comum, que não deveria inspirar medo. Hoje eu estou num relacionamento depois de muito tempo e uma das coisas que me faz amar a minha noiva é exatamente o fato dela amar a pessoa física, não a pessoa jurídica e deixar isto claro todos os dias. Ana Roberto, que também é uma pessoa pública, entende que para mim é impossível me relacionar com alguém que enxerga somente o meu trabalho, afinal, eu sou bem mais que isto. Homens tendem a temer mulheres independentes e não dá para se relacionar com quem nos teme. Homens, admirem as mulheres poderosas!  



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