quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

Meu Primeiro Bebê.Doc (48)


(Pais de primeira viagem relatam as delicias e as amarguras da presença do primeiro bebê de suas vidas. Na série Meu Primeiro Bebê.Doc veremos relatos feito por pessoas que se despuseram a contar esse marco de suas vidas sem qualquer custo ou a precisão de revelar a identidade. A todos que aqui deram suas declarações o meu MUITO OBRIGADO!)

Por Raquel Fialho Cougo ao blog Despertar do parto

"Eu vim de uma família onde as mulheres têm a cesárea como forma de trazer seus filhos ao mundo. Minha mãe teve quatro filhos, todos de cesárea eletiva. Um deles o mais velho quase morreu por ter nascido prematuro. Ainda assim parto normal na minha família era coisa de índio, de bicho, mas era isso que eu queria de todo o coração.

Minha gravidez foi super desejada, nem precisei esperar o atraso da menstruação para fazer o exame de gravidez. Eu já sabia.


Sempre fui muito ativa então busquei o ioga como atividade física para os próximos nove meses que viriam.Nessa procura por ioga para gestantes em Ribeirão Preto,encontrei o Despertar do parto onde as aulas de ioga eram precedidas de uma roda de conversa onde compartilhávamos angústias, tristezas e sonhávamos com o parto e a chegada do bebê.


Lá me dei conta que em nosso país a tendência do sistema de saúde é conduzir a gestante para a cesárea,mesmo que isso não seja necessário ou não seja o desejo da mulher. Fiquei mal. Então quer dizer que mesmo que esteja tudo bem, que eu não queira e não precise de uma cirurgia, isso vai ser imposto a nós isso vai ser imposto a nós?


Li sobre os riscos da cirurgia pra mim, pro bebê, para uma futura gestação e tive muito medo. Mas decidi transformar o medo em força propulsora para batalhar pelo parto mais seguro para mim e minha filha.


Decidi contratar um doula a Helena Junqueira e escolhi o GO com o maior índice de parto normal da cidade e fui deixando claro pra ele as informações que eu vinha colhendo e as minhas informações e minhas escolhas a partir das informações. Estava preparada racionalmente e emocionalmente para o parto, mas quem disse que é só isso?


No fim da gestação voltei a ter medo. Medo da dor, medo da morte, do desconhecido. E se eu não der conta? E se eu precisar de anestesia? E se algo der errado? Minha resposta ao medo foi me afastar de tudo que pudesse alimentá-lo e me cercar daquilo que só me fazia bem.


Quando ficávamos só eu, minha filha e o Pedro bem juntos, isolados até, o medo fugia de nós. Fui me isolando, me fechando em nós três.


No dia dos namorados eu saí com o Pedro. Meu namorado, marido, pai da minha filha. Eu completava quarenta semanas nesse dia.Durante o jantar meio que inconscientemente convidamos nossa filha pra vir ao mundo. Falamos dela, do quanto queríamos que ela nascesse e do quanto estávamos felizes pela proximidade da sua chegada. Cecília gostou da nossa prosa e quatro horas após o jantar, as contrações começaram.


Primeiro achei que eram apenas "coliquinhas" que não me deixavam dormir. Levantei da cama e fui começar o dia ás quatro da manhã. Essas cólicas me acompanharam o dia inteiro e eu resolvi ligar pra minha doula e para o meu médico. 


Ela me tranquilizou, disse para eu tentar relaxar e se colocou a disposição para o caso do quadro evoluir. Ele pediu que eu fosse ao consultório.


Um centímetro de dilatação ele me mandou pra casa pra relaxar e voltar a falar com ele caso algo mudasse.


Fui pra casa, tomei banho de banheira, chá de camomila, mas quanto mais eu relaxava, mais as contrações vinham. Nada daquela dor horrorosa que a gente vê nos filmes ou nas novelas, uma cólica  que me fazia parar, respirar e continuar o que eu estava fazendo antes.


Meu marido chegou do trabalho, depois de um longo plantão e fomos dormir. Vira pra lá, vira cá e a coliquinha não deixa dormir.


Fui ver televisão, por que televisão dá sono. Jogo de futebol, primeiro tempo,segundo tempo, filme na sequência,seriado, coliquinha danada. 


Resolvi olhar no relógio e ver a duração e o intervalo das contrações. Percebi que elas estavam ritmadas e com pouco intervalo entre elas. "É acho que você está em trabalho de parto" disse a minha anjo doula Helena. 


Isso fez a maré mudar, enfim o parto chegou, chegando.


Helena levou cerca de vinte minutos para chegar a minha casa. A dor chegou antes dela. Acordei meu marido e falei que estava em trabalho de parto,mas disse que ele devia ir dormir de novo por que estava cansado e sabe como é parto normal, demora.


Era meia noite e segundo meus cálculos eu só ia parir lá pela hora do almoço. Nunca fui muito boa em matemática.


Daqui pra frente é aquela hora que a parida já não consegue mais relatar com precisão. A cabeça já não funciona por que o corpo, ou a nossa parte bicho está no comando.


Sentia uma dor imensa nas costas,junto com uma gigante cólica abdominal, bem semelhante a cólica menstrual. E a dor vinha em ondas, começava pequena e ia aumentando,aumentando e diminuía devagarinho.


Helena me levou pro chuveiro e me ofereceu uma bola pra eu sentar em cima. A água morna,a posição confortável e o olhar seguro da minha doula fizeram com que as dores não diminuíssem, mas tornassem absolutamente suportáveis.


No intervalo das contrações, o corpo volta a ficar em silêncio, eu recobrava a consciência e falava.


Falei sobre a vida, sobre o tempo, fofoquei. Foi então que mais uma contração se aproximou e eu disse: "Ai meu Deus! Não! Não!" 


Helena segurou a minha mão e disse mais alto que eu: "Sim!Sim!Sim!" Foi crucial


Dali em diante cada contração foi recebida com um sim meu. Vem,vem sim,pode vir! Vem Cecília. 


Nem sei por quantas horas fiquei no chuveiro sentada na bola. Só me lembro que em algum momento eu me senti encharcada e querendo ir pra minha cama. Deitei e as contrações vinham com força, querendo me fazer arrancar cada pedaço da parede com as minhas mãos.


Entre as contrações eu já não falava mais. Estava cansada, com sono, com dor e comecei a reclamar disso. Eram mais de três horas da manhã e a Helena sugeriu que eu dormisse um pouco. 


Achei que seria impossível eu dormir naquela situação, mas, não sei como,entre uma contração e outra eu dormia.


Até que meu sono foi interrompido por um estalo dentro de mim. Era como se um osso muito fino tivesse se quebrado dentro de mim chegando a fazer um barulhinho. O estalo veio acompanhado de uma enxurrada que molhou minhas roupas, minha cama e meu corpo. A bolsa rompeu! E a maré mudou novamente.


Dali em diante virei bicho ferido, estava absolutamente entregue, sem o menor poder de me opor a quem quer que fosse. Por isso a escolha de quem vai acompanhar o parto é fundamental. Nessa hora você pode não estar apta para brigar,discutir e se impor.


Eu,sempre tão firme e determinada, fiquei querendo ser conduzida, pequena e frágil.


Helena olhou o aspecto líquido que saiu da bolsa. Tudo ok!  Mas após o rompimento da bolsa, a dor ficou beirando o insuportável. Nada aliviava. Quer dizer! Quase nada, só um abraço aliviava a minha dor. 


Eu precisava de um forte abraço durante a contração. Precisava de apertar alguém contra o meu corpo para suportar a dor.


Acorda o marido, liga pro GO, prepara pra ir pro hospital.


Eu já disse que me preparei pro parto, faltava preparar a bolsa maternidade.


Helena saiu catando algumas coisas pra mim e para a Cecília e eu fiquei abraçando o Pedro. Pedro foi trocar de roupa e eu fiquei abraçando a Helena.


Fomos para o hospital comigo gemendo no banco de trás do carro. Chegamos umas quatro da manhã no hospital eu em franco trabalho de parto a recepcionista olha pra mim e diz: "Alguém prepara o centro cirúrgico por que tem um cesárea não agendada.


Que triste a situação do nosso país que olha para uma gestante e logo supõe que se trata de uma cirurgia, rosnei entre dentes que era um parto normal.


Meu GO chegou, fomos para o quarto. Exame de toque nove centímetros, fiquei feliz em saber que toda aquela dor não era em vão, que meu trabalho de parto estava em pleno vapor e que logo minha filha estaria em meus braços.


Mas,nenhuma contração, nada no parto doeu mais do que o exame de toque, nota mental para o próximo parto que quem vier me dar o toque  vai levar chute. Gritei que nem um bicho ferido para que o GO tirasse a mão de mim.


Fui encaminhada para o centro cirúrgico,não me pergunte o por quê. Já no elevador meu corpo me mandou me fazer força. Era como se um balão de gás estivesse cheio dentro da minha barriga e a única coisa a ser feita era empurra-lo um pouco mais para baixo. É irresistível, não tem como não fazer força durante o expulsivo. E não tem, nem metáfora, nem comparação que possa explicar para uma mulher o jeito que ela deve fazer força durante o expulsivo.


É o corpo quem dá as coordenadas certinhas. E eu estava no elevador quando meu corpo mandou que eu fizesse força. Corre-Corre no centro cirúrgico, essa mulher vai parir pra fora da maca.


O Pedro foi vestir a roupa e touca do centro cirúrgico e depois a Helena eu fiquei talvez trinta segundos sem nenhum acompanhante no centro cirúrgico, só com a equipe de médicos e enfermagem. 


Experiência estranha. Entendo totalmente as mulheres cujo o parto trava,não evolui quando chegam ao hospital e se vêem privadas do que lhes é caro, do que lhes tras conforto e aconchego. Veio uma contração e eu sozinha.


E agora?


Uma técnica de enfermagem arrumava a maca para que eu deitasse. Olhei pra ela e meio que suplicando, meio que avisando falei: "Vou te abraçar" E abracei essa mulher que eu nunca tinha visto na vida. 30 segundos sozinha e foi um bálsamo ver a Helena e o Pedro de volta.


"Vou parir na posição que eu quiser" eu disse durante a gravidez inteira.


Mas não achei posição que me desse conforto. Tentei me deitar de lado e não me fez bem. Justo a posição que eu tinha lido que era a mais contra-indicada para o parto foi a que me pareceu melhor, vai entender.


Lá estava eu como litotomia, com a barriga para cima.


De tempo em tempo vinha o imperativo do meu corpo para que eu fizesse força, Meu marido me abraçava, a Helena segurava a minha mão. O GO e o pediatra tentaram me explicar ,que eu deveria fazer força, que assim o bebê sairia mais rápido.Eu estava ocupado demais para ouvi-los.


Uma técnica de enfermagem coitada tentou empurrar a minha barriga. Rosnei para ela : "Não empurra a minha barriga" e ela virou pó, nunca mais foi vista naquele centro cirúrgico.


Quarenta e cinco minutos de expulsivo e eu estava cansada. Olhei para a Helena e disse que não aguentaria mais. Ela saiu do meu lado, foi espiar entre as minhas pernas e voltou com a frase que me deu mais gás para quatrocentos expulsivos. "Eu vi uma cabeça loirinha, loirinha. Tá acabando,você consegue.


Cecília fingiu que ia sair, mas decidiu ficar mais um pouquinho dentro de mim. Não senti coroar, não senti o tal círculo de fogo, só senti quando ela veio totalmente decidida a nascer. 


Eram seis e dezessete da manhã. Pra essa hora faltam palavras. É como ter um milagre acontecendo dentro de você,Inominável.

Cecília veio pro meu colo, fez uma pausa no choro para me olhar bem fundo nos meus olhos. Tão pequenininha, tão forte a minha menina. Apresentei-me a ela. Ficamos ali, não sei por quanto tempo. Só sei que por menos que gostaríamos. O sistema tem pressa.

Ela foi pesada, medida e voltou pro meu colo pra mamar em paz. Parto sem indução,sem episiotomia, sem laceração, sem intervenção alguma. Cecília plenamente saudável, nenhum gemido de dor foi em vão. 

O assombro da equipe de enfermagem ao me ver sentar, me ajeitar na maca normalmente e amamentar minha filha ali no centro cirúrgico denuncia o quanto essa prática é rara nos nossos hospitais e o quanto a cesárea pode inviabilizar tudo isso.

Mudei de maca sem ajuda e seguimos os três para o nosso quarto sob o comentário das enfermeiras de que: "Nossa, parto normal é outra coisa"

Sim, parto normal é outra coisa. 

É coisa de bicho. Eu sou bicho. Você que leu esse relato também é bicho.

Toda mulher é bicho."     

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