terça-feira, 4 de setembro de 2018

É a sua história que está queimando


Por Filipe Figueiredo (Xadrez Verbal)

Não tem jeito, é pra desistir. “Incêndio atinge prédio do Museu Nacional” é a manchete, mas poderia ser fogo destrói parte inestimável da História brasileira e mundial, incêndio destrói patrimônio cultural único, descaso acaba com a sua História, uma série de opções.

Museu é visto como um luxo, um passeio exótico, um lazer privilegiado. Não é. Não deveria ser. Museus estão nos pilares de sustentação de qualquer sociedade, fios importantes no tecido social. Onde se encontram muitas perguntas e se buscam as respostas: Quem somos? Da onde eu vim, qual a origem do meu nome? Onde estou, o que é esse lugar, o que explica ele estar assim?

E você já foi em um museu? No Brasil, na sua cidade. Imersos em um debate engessado e paranoico direto da Guerra Fria, em que as agendas secretas comunistas, gays, satanistas, o que for, espreitam cada esquina, a História, com H maiúsculo, se torna mais um alvo.

História é doutrinação, Humanas não serve pra nada, professor de História é tudo vagabundo. Corta verba, tem prioridades. Gastar dinheiro com museu em um país em que (cite outra mazela social aqui)? Ao mesmo tempo, reclama-se de que o brasileiro não conhece sua História, não sabe o significado de uma determinada data, não sabe votar, não prestigia seus antepassados, não adquire cultura. Uma coisa, ou outra.

Qualquer destruição de patrimônio histórico é inaceitável, não apenas quando cometida pelo Estado Islâmico contra algo “pagão”. Esse patrimônio pertence a todos, e são os pedaços de quem somos, um a um, sendo arrancados. O Brasil renega sua História, não encara suas cicatrizes, se recusa a reconhecer seu passado, repete erros já cometidos, travestidos de soluções inéditas. Enquanto isso, as possíveis respostas são apagadas, destruídas pelo fogo.

Museu Nacional, Instituto Butantan, Museu de Ciências Naturais, Museu da Língua Portuguesa, dentre outros, são consumidos pelas chamas. O Museu Paulista, da Independência, está fechado tem cinco anos, por risco de desabamento, e assim ficará por ao menos mais quatro. Para ficarmos nos exemplos mais recentes, sem esquecer de que o próprio Estado brasileiro destruiu muitos de seus arquivos.

E, o pior, dirão que esse desabafo é exagerado. Ficarão chateados, mas ninguém liga, a vida segue. Temos outros problemas, mais graves. Que não se negue a existência de uma miríade de outros problemas,  não se iluda achando que é o que acontece hoje na Quinta da Boa Vista é algo menor. Para uma sociedade sair do buraco, ela precisa, primeiro, saber que é uma sociedade.

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